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Nosso trânsito é uma pandemia urbana
Normalmente esquecemos dos fatos do cotidiano. O cérebro relega a bela vista oceânica quando vamos à praia, assim como registra o encontro com um amigo ou o constrangimento da multa, porque não verificamos a data de validade do extintor. De minha infância no interior paulista pouco me lembro das ruas quase desertas. Mas do rabo-de-peixe amarelo não me esqueci. Excitação de menino, culto nacional à imagem do nosso verdadeiro herói, Vigilante Rodoviário, seriado que carregava a sala de emoção e nossas rodovias de segurança. Papai comentava, ao cruzar a cidade de São Paulo, a beleza que era se deslocar rápido naquelas largas avenidas. Eu queria ler os outdoors, mas não dava tempo. Hoje, tempo temos, apesar da cidade limpa destes materiais. Falta agora limpar os veículos mal conservados e acrescentar extensão ao Metrô, para que a gente queira deixar os nossos carros em casa.
O que podemos fazer para evitar a patologia do carro quase parado? Sem mudanças drásticas no rodoviarismo desenfreado, que a cada quilômetro mais aquece o ambiente do que nos desloca, ainda vivenciaremos a sua falência. Há soluções. Tecnologia para minimizar a massa veicular, melhorar os sistemas de controle de tráfego e até nos auxiliar a guiar. Educação para conseguirmos decidir melhor sobre transporte, moradia e até emprego.
Aos motoristas, cabe a busca de vias alternativas, horário distinto dos momentos de pico ou uso do transporte público. Contudo, cidades brasileiras apresentam concepção de geometria urbana com poucas avenidas preferenciais. Momentos de pico se ampliam a quase todas as horas do dia. O transporte público metropolitano carece de malhas densas de Metrô. Grandes cidades onde não se disponibilizam suficientes vias exclusivas aos ônibus. Os poderes constituídos têm obrigação de melhorar os transportes, desvinculadas de ações lobistas.
Veículos mal conservados recolhidos significam menos horas de TV com filmagens aéreas sobre congestionamentos gerados por ’poizés’, cortejos fúnebres daqueles que já deveriam ter virado sucata de alto-fornos. A substituição de veículos velhos é viável, sob as óticas econômica, social e ambiental. Daria sustentabilidade às montadoras, que insistem em vender sem arcar com o evidente congestionamento.
A motocicleta não deve ser subentendida como opção. Seu elevado risco, comparado ao transporte de quatro rodas e a falta do artigo 56, que impediria os famigerados corredores, geram custos sociais inadmissíveis. E as motofaixas são muros da vergonha para acirrar diferenças urbanas. Contudo, bicicletas podem ser verdadeiras soluções, apesar da heterodoxia da proposta. Seu uso exige ciclovias que habitem em harmonia com os pedestres. Há bairros europeus onde o ruído dos automotores foi trocado por bicicletas, em viagens até estações ferroviárias. E a academia? De graça, no passeio de nossas ruas, onde, pedalando ou caminhando, voltamos a fazer as pazes com o meio ambiente. Viveremos mais. E melhor.
* Creso de Franco Peixoto é engenheiro, mestre em Transportes e professor de Engenharia Civil do Centro Universitário da FEI (Fundação Educacional Inaciana)
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