Fabiano da Silva Faria*
Nos atendimentos a acidentes e sindicâncias em que os técnicos e reguladores de nossa empresa estão empenhados, vem sido observado que, pela dificuldade do número de agentes e vários eventos simultâneos que exigem a sua presença contínua, os agentes de trânsito e policiais fiscalizadores, quando comparecem aos locais de acidentes, sejam em vias de trânsito rápido ou vias urbanas, estão restringindo o atendimento aos casos mais urgentes e com vítimas graves – até por coerência lógica. Assim, rotineiramente são confeccionados com vários boletins de ocorrência com falta de dados, além de algumas vezes não constarem o croqui (desenho) do local do evento, ficando muitas vezes prejudicada a reconstituição ou visualização recomposta do sinistro. Isso, sem contar as narrativas dos boletins que não esclarecem muita coisa, pois os respectivos agentes de trânsito e policiais se esquivam de demonstrar realmente o que visualizaram, sob pena de responderem em juízo um questionamento técnico importante: apenas com um curso de formação de fiscalização ou policiamento, e com o conhecimento acumulado na função, é possível avaliar e confirmar as informações periciais e técnicas de um sinistro? Então, textos descritivos confusos (onde os atores do evento são trocados ou omitidos), não conclusivos (narrando apenas o que os envolvidos ou testemunhas disseram) ou vagos (não permitindo nenhuma interpretação) são achados facilmente em documentações oficiais.
E, para complicar um pouco mais a área de transportes, entra em vigor a Resolução 297 do CONTRAN e suas devidas alterações posteriores, com validade desde o primeiro dia deste ano. Esta norma vem a determinar índices técnicos para situações onde, até recentemente, os boletins não explicitavam o porquê do veículo ter sido caracterizado como ‘perda total’, como exemplo. Então, a partir desta inovação legislativa temos as definições de pequeno, médio e grande monta, a saber, conforme descrição da própria Resolução: a) Pequena monta: Quando o veículo sofrer danos em peças externas e/ou mecânicas e estruturais, mas que, quando substituídas ou recuperadas as peças, permitam ao veículo voltar a circular, sem necessidade de inspeção técnica (autorizada pelo INMETRO); b) Média monta: Quando, após substituídas ou recuperadas as peças externas ou peças mecânicas e estruturais, permitem que o veículo volte à circular, restando a exigência da realização de inspeção de segurança para a obtenção do Certificado de Segurança Veicular (CSV), necessário para que o veículo volte a trafegar; e c) Grande monta: Quando o veículo sofrer danos em suas peças externas, mecânicas e estruturais que o classifiquem como irrecuperável. Como exceção – e o que mais nos preocupa, como será discutido adiante – é o parágrafo 5º do artigo 1º da referida Resolução, a qual permite que, na impossibilidade do agente definir a gravidade do dano ao veículo, poderão utilizar o campo “não definido” no relatório de avarias.
Lendo a respectiva resolução, nota-se uma grande e necessária mudança na confecção de Boletins de Ocorrência de Acidente de Trânsito, especificamente na qualificação dos danos. São vários dados a serem considerados, planilhas a serem preenchidas e cálculos a serem realizados pelos agentes de trânsito e policiais incumbidos com esta fiscalização em nosso país. Analisando esta inovação legal, percebe-se uma preocupação maior sobre a condição dos veículos automotores circulantes nas vias públicas. Foram adotados critérios mais rigorosos para a qualificação dos danos, algo que agora transparece ser muito mais técnico. A intenção declarada desta norma técnica é identificar veículos os quais não teriam mais condições de trafegabilidade após acidentes de trânsito, retirando-os provisoriamente (média monta, no caso) ou em definitivo (grande monta, se assim determinado) do mercado, melhorando assim a segurança viária, evitando vários casos de veículos irrecuperáveis que voltam a circular. Todavia, trouxe uma excessiva e desnecessária burocracia aos veículos com pequenos danos, além de explícita discriminação dos mesmos, no mercado de revenda.
Segundo o parágrafo 5º do artigo 2º da referida Resolução 297, será necessário que os agentes de trânsito, responsáveis pelo atendimento do sinistro façam, obrigatoriamente, o acompanhamento de, no mínimo, 04 (quatro) registros fotográficos do veículo sinistrado envolvido no evento. Daí, a questão: como realizar isso, se a maioria esmagadora dos serviços de fiscalização e regulação de trânsito (urbanos e rodoviários) não possui os equipamentos necessários? É uma constante na legislação brasileira, como sempre: providenciam a parte normativa, mas não provêm os meios, para tanto… E, por essa deficiência de equipamentos, grande parte dos serviços de fiscalização de trânsito está optando marcar o campo “não definido”, por não arriscarem palpites ou mesmo pela insuficiência de meios profissionais. Deste modo, resta o ônus para o proprietário do veículo, o qual deverá providenciar meios comprobatórios para afirmar que o veículo não está classificado como média monta, mas sim com danos de pequena monta. Oportunamente, já informo que não cabe recurso ou pedido de retificação do Boletim de Ocorrência de Trânsito ou equivalente ao órgão respectivo de fiscalização (PRF, Batalhão Rodoviário ou similar): o meio determinado é providenciar a reclamação diretamente ao DETRAN onde está registrado o veículo – mas não sem antes providenciar o tal CSV.
Uma verdadeira saga será necessária para que o veículo seja devidamente regularizado, seja pelo excesso de zelo documental ou mesmo pelos custos imbuídos – sem contar as devidas contestações, as quais, muitas vezes serão razoáveis, como já descrito. E aí, meus caros: qual será a depreciação do valor deste veículo, no mercado? E àqueles que procuram fazer o seguro total do veículo transportador, fica outra pergunta: será que as seguradoras aceitarão este casco, ou ele ficará à margem do mercado? Finalizando, o veículo que esteja classificado como média e grande monta não poderá ser vendido em nenhuma hipótese, permitida apenas a transferência de propriedade entre o segurado e sua seguradora, pelos direitos próprios de sub-rogação, previstos em Lei.
Portanto, esta inovação legal, apesar de ter boas intenções, vem a trazer preocupações diversas ao mercado automotivo – principalmente, ao mercado transportador de cargas e passageiros, pois seus veículos empenhados são meios de produção, sendo antieconômica a paralisação dos mesmos, salvo para manutenção programada. Ademais, a via-crúcis em que o proprietário estará envolvido, em caso de qualquer sinistro de trânsito é desproporcional aos danos analisados, em sua maioria – aqui descritos como de média monta pela norma, e por nós definidos como de fácil reparo, haja vista as tecnologias modernas serem suficientes nos dias de hoje. Portanto, aconselhamos aos responsáveis de frotas, associações e autônomos que observem bem o momento do registro do acidente, além de tomar providências imediatas para a devida correção de dados, além do respectivo esclarecimento do evento em si, com o intuito de que o condutor e proprietário do veículo transportador, normalmente acusados como responsáveis pelo sinistro (já de véspera), venham a ter argumentos a seu favor – ou mesmo subsídios para que o terceiro causador do sinistro venha a ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes.
* Fabiano da Silva Faria é sócio-proprietário da Federal Soluções Técnicas Limitada
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